quinta-feira, 16 de maio de 2013

II CONVENÇÃO DE GENEBRA DE 1949: PARA A MELHORIA DAS CONDIÇÕES DOS FERIDOS, ENFERMOS E NÁUFRAGOS DOS CONFLITOS NAVAIS

Embora inúmeros sejam os instrumentos do ius in bello, dois conjuntos de leis humanitárias, especificamente, destacam-se por sua importância no âmbito do Direito Internacional dos Conflitos Armados, quais sejam: as Convenções de Genebra de 1949 e os protocolos adicionais de 1977, os quais se coadunam numa série de tratados que têm por objetivo definir os direitos e deveres dos indivíduos – combatentes ou não – em tempo de guerra.
A I Convenção de Genebra de 1949, como visto em postagem anterior (se não leu, clica aqui), tem por finalidade melhorar as condições dos feridos, enfermos e pessoal sanitário e religioso em campanha, enquanto a II Convenção de Genebra de 1949 protege os feridos, enfermos e náufragos no mar, a III Convenção de Genebra de 1949 dispõe acerca dos prisioneiros de guerra e, por fim, a IV Convenção de Genebra de 1949 confere proteção especial à população civil vítima de um conflito internacional.
No que tange aos Protocolos Adicionais, o I Protocolo Adicional versa sobre as vítimas de conflitos armados internacionais e o II Protocolo Adicional versa sobre as vitimas de conflitos armados não internacionais.
As Convenções de Genebra de 1949 e seus Protocolos Adicionais constituem a essência do Direito Internacional Humanitário, na medida em que estabelecem as regras que visam, por questões humanitárias, limitar os efeitos do conflito armado, protegendo não apenas as pessoas que não participam ou deixaram de participar das hostilidades, mas também os civis, os profissionais de saúde e de assistência, os soldados feridos ou doentes, os prisioneiros de guerra e outras pessoas privadas de liberdade, impondo restrições aos meios e métodos de guerra a que as partes podem recorrer.

Dando continuidade ao estudo das Convenções de Genebra de 1949 e seus Protocolos Adicionais, no presente texto analisaremos a II Convenção de Genebra de 1949.
Recomendamos ao leitor, antes de prosseguir na leitura do presente texto, que volte-se para a leitura das seguintes publicações anteriormente feitas: 1)DIREITO INTERNACIONAL HUMANITÁRIO: Surgimento, Desenvolvimentoe Finalidade do Direito Internacional dos Conflitos Armadas’; 2) I CONVENÇÃO DE GENEBRA DE 1949: AProteção aos Feridos e Enfermos em Campanha

A II CONVENÇÃO DE GENEBRA DE 1949
Substituindo a X Convenção de Haia de 1907, a II Convenção de Genebra de 1949 trata acerca da proteção das vítimas da guerra marítima.
Note-se que a II Convenção de Genebra dá tratamento à proteção das vítimas de uma modalidade específica de batalha, qual seja, a Guerra Marítima.
Mas, afinal, o que é considerado Guerra Marítima?
Segundo SALMON, denomina-se Guerra Marítima “o conjunto de operações militares ou de atos de hostilidade efetivados por, entre ou contra as forças navais de um beligerante [...]”.[1]
Dada sua especificidade, as disposições constantes da II Convenção de Genebra de 1949 não se aplicam em qualquer situação ou localidade, mas somente em zona específica: no mar.
Por isso, havendo conflito entre forças em terra e no mar, somente às forças embarcadas aplicar-se-á as disposições da II Convenção de Genebra de 1949, sendo que, uma vez que as tropas desembarquem, ficarão sujeitas às normas que regulamentam a guerra em campanha (no caso de enfermos e feridos, a I Convenção de Genebra de 1949).
Entre as disposições constantes da II Convenção de Genebra de 1949, algumas merecem especial atenção.
É o caso, p. exemplo, do direito que possui qualquer navio de guerra de uma parte beligerante de reclamar a entrega de feridos, enfermos ou náufragos que estejam a bordo de navios-hospitais (particulares ou militares), navios mercantes, iates ou qualquer outra embarcação.
Esse direito só encontra limitação no caso de o estado de saúde do ferido, enfermo ou náufrago não permitir que ocorra a transferência, sendo obrigatório, nesse caso, que o navio, iate ou embarcação ou este se encontre disponha de instalações capazes de assegurar-lhe tratamento adequado (Cf. art. 14 da II Convenção).
Em relação aos Estados Neutros – assim considerados aqueles que não tomam nenhum lado em uma guerra entre outras partes – ocorrendo de seus navios de guerra recolher enfermos, feridos ou náufragos, ou de indivíduos desembarcarem em um de seus portos, tais países devem providenciar para que estes não voltem a participar das operações de guerra, retendo os desembarcados e promovendo a hospitalização/internamento dos que necessitarem, ficando as despesas a cargo da Potência das quais dependam as vítimas hospitalizadas/internadas (Cf. artigos 15 e 17 da II Convenção).
A II Convenção de Genebra de 1949, ainda, confere especial proteção aos navios-hospitais – construídos única e especialmente para socorrer, tratar e transportar feridos, enfermos e náufragos –, bem como aqueles utilizados pelas Sociedades Nacionais da Cruz Vermelha ou outra sociedade de socorro oficialmente reconhecida (seja de uma parte em conflito ou de um país neutro), e ainda as embarcações costeiras e instalações costeiras fixas utilizadas exclusivamente por essas em suas missões humanitárias, sendo indispensável, porém, que seus respectivos nomes e características tenham sido comunicados aos beligerantes dez dias antes de sua utilização (Cf. artigos 22, 24, 25, 27 e 29 da II Convenção).
Não obstante os navios-hospitais possuam liberdade para realizar suas atividades, gozando de proteção, não podendo em circunstância alguma serem atacados ou capturados, estas jamais poderão dificultar os movimentos dos combatentes (Cf. artigo 22 e 30 da II Convenção).
Além disso, os navios-hospitais podem ser fiscalizados e vistoriados.
É possível, ainda, se a gravidade das circunstâncias assim o exigir, que as partes em conflito recusem o auxílio destas embarcações, bem como ordenem que estas se afastem, imponha-lhes rota determinada, regulamentem o uso de seus meios de comunicação e, inclusive, as retenhas por período máximo de sete dias a partir do momento da visita de inspeção (Cf. artigo 31 da II Convenção).
Vale lembrar que, não obstante gozem de proteção, os navios e embarcações de socorro atuam por sua conta e risco, sendo que, em caso de serem utilizados para cometer, fora de seus objetivos humanitários, “atos nocivos ao inimigo”, tais embarcações perdem a proteção.
Embora inúmeras sejam as interpretações tendentes a conceituar a nocividade dos atos que podem ser praticados pelos navios e embarcações de socorro, a própria Convenção tenta resolver o problema, elencando atos que não privarão os navios de proteção, quais sejam:

Artigo 35. Não serão considerados como sendo de natureza a privar os navios-hospitais ou as enfermarias dos navios da proteção que lhes é devida:
1) O fato de o pessoal desses navios ou enfermarias estar armado ou empregar as suas armas para a manutenção da ordem, para a sua própria defesa ou para a dos seus feridos e doentes;
2) O fato de existirem a bordo aparelhos destinados exclusivamente a assegurar a navegação ou as comunicações;
3) O fato de a bordo dos navios-hospitais ou nas enfermarias de navios se encontrarem armas portáteis e munições retiradas aos feridos, aos doentes e aos náufragos e que tenham sido ainda entregues ao serviço competente;
4) O fato de a atividade humanitária dos navios-hospitais e enfermarias de navios ou do seu pessoal se ter tornado extensiva a civis feridos, doentes ou náufragos;
5) O fato de navios-hospitais transportarem material e pessoal, exclusivamente destinado ao serviço de saúde, além daquele de que habitualmente necessitam.

A II Convenção de Genebra de 1949 determina que as embarcações de socorre, a fim de que sejam identificadas tanto do ar quanto do mar, sejam pintadas de branco com uma ou mais cruzes vermelhas “tão grandes quanto possível” nas laterais dos cascos e nas superfícies horizontais.
Todavia, tendo em vista a elevada altitude de voô das aeronaves modernas e a consequente dificuldade em se distinguir, do ar, um navio de guerra de um navio hospital, essa identificação visual proposta pela II Convenção de Genebra de 1949 não é mais suficiente. Por isso, visando a solução do problema, o artigo 43 da II Convenção determina que as partes concluam acordos visando a utilização de meios mais modernos para a identificação.
Finalmente, insta-nos salientar que, tal qual a I Convenção de Genebra de 1949, também a II Convenção de Genebra de 1949, possibilita que a autoridade militar apele à população civil (comandantes de navios mercantes neutros, iates ou outras embarcações igualmente neutras) para ajudar os feridos e enfermos em campanha, recebendo-os a bordo e dando-lhes assistência.
Os que atendem o apelo aos sentimentos caritativos feito pela autoridade militar, recebendo e prestando assistência às vítimas  do conflito naval, gozam de uma proteção especial e facilidades para realização de sua missão assistencial, não podendo ser, pelo fato de prestarem tal assistência, realizando tal transporte, ser capturados (Cf. artigo 21 da II Convenção).


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Mônely Arleu. Advogada. Graduada em Direito pela Faculdade de Ciências Jurídicas de Juiz de Fora/MG - Faculdades Doctum. Especializanda em Direito Militar pela Universidade Cândido Mendes (UCAM).
                                                          
Deborah Mota. Graduanda em Direito pela Fundação Presidente Antônio Carlos (FUPAC). Estudiosa e Pesquisadora do Direito Internacional Humanitário (DIH) e do Direito Penal Internacional (DPI).








[1] SALMON, J. (Ed.). Dictionaire de droit international public. Bruxelles: Bruylant, 2001, p. 541 apud BORGES, Leonardo Estrela. Coleção para entender: O Direito Internacional Humanitário. Belo Horizonte: Del Rey, 2006. p. 82.

domingo, 12 de maio de 2013

TEORIA HEXAPARTITE DO DIREITO MILITAR

O Direito Positivo se divide em diversos ramos de estudo, o que proporciona a cada um destes ramos, seu aprimoramento a fim de alcançar uma autonomia científica, acompanhando, assim, as mudanças da sociedade.
Esses ramos do Direito Positivo encontram-se divididos em dois grandes grupos. Um em que predominam as normas de ordem pública, que tutelam os interesses da coletividade em detrimento as vontades das partes. Este grupo é denominado de Direito Público, e possui como ramos: o direito constitucional, tributário, administrativo, penal, etc.
No outro grupo, predomina o interesse dos particulares, sendo este denominado de Direito Privado, e possui como ramos: direito civil, empresarial, etc.
É preciso ressaltar que, segundo parte da doutrina esta clássica bipartição romana do direito não se coaduna mais com a realidade jurídica e não atende à complexidade das relações da sociedade moderna, mas que, por ora, será mantida para melhor compreensão do que se pretende com este texto.
Também é preciso mencionar que modernamente outra divisão se mostrrou necessária, a divisão entre direito interno e internacional.
Isto posto, pode-se afirmar que o Direito Militar é um ramo autônomo do Direito Público, que se dedica ao estudo das normas jurídicas inerentes à Função Militar, que, por sua vez, compreende uma especial função do Estado que emana da Constituição e das leis infraconstitucionais, e é exercida por instituições militares - Forças Armadas (Marinha, Exército e Força Aérea).
Como no Brasil nosso ordenamento jurídico ainda prevê, anomalamente, a existência de corporações militarizadas estaduais/distritais - Forças Auxiliares (Policias e Corpos de Bombeiros Militares) o Direito Militar contempla o estudo da Função Militar das aludidas forças. Isto fica claro na definição de Direito Militar trazida por Jorge César de Assis:
Há que se entender todo o conjunto legislativo que está ligado, de uma forma ou outra, ao sistema que envolve tanto as Forças Armadas Brasileiras, como aquelas que são consideradas suas Forças Auxiliares: as policias militares e os corpos de bombeiros militares dos Estados e do Distrito Federal[1].
Com a evolução da sociedade e, por conseguinte, do Direito, houve a necessidade da doutrina realizar cortes epistemológicos no Direito Militar, pois ao contrário do que se pensava este ramo do Direito não trata única e exclusivamente de matéria penal militar, e, assim, precisava ser estudado de acordo com a matéria abordada.
Eliezer Pereira Martins ao definir Direito Militar faz esse corte:

O direito militar pode ser definido como o conjunto harmônico de princípios e normas jurídicas que regulam matéria de natureza militar, podendo ser de caráter constitucional, penal ou administrativo[2].

Através da definição supracitada, evidencia-se uma Teoria Tripartite do Direito Militar, segundo a qual esse ramo autônomo do Direito Público dividir-se-ia para fins meramente didáticos e de aprendizagem em três sub-ramos: Constitucional, Penal e Administrativo.
No entanto, Antônio Pereira Duarte tende a uma Teoria Hexapartite sobre a divisão do Direito Militar:

Numa classificação preliminar, é possível distinguir o direito penal militar, o direito processual penal militar, o direito administrativo militar, o direito disciplinar militar, o direito previdenciário militar, além de outros que guardam pertinência com o emprego de Forças Armadas na solução de conflitos armados, destacando-se, nesse ponto, o direito internacional dos conflitos armados, também conhecido como direito internacional humanitário[3].

No tocante à parte disciplinar, uma parcela da doutrina vem estudando-a como um ramo autônomo do direito denominado “Direito Administrativo Disciplinar Militar”. Jorge César de Assis define direito administrativo disciplinar como sendo:

Aquele que se ocupa com as relações decorrentes do sistema jurídico militar vigente no Brasil, o qual pressupõe uma indissociável relação entre o poder de mando dos comandantes, chefes e diretores militares (conferido por lei e delimitado por esta) e o dever de obediência de todos os que lhes são subordinados, relação essa tutelada pelos regulamentos disciplinares quando prevê as infrações disciplinares e suas respectivas punições, e controlada pelo poder judiciário quando julga as ações judiciais propostas contra atos disciplinares militares[4].

Com a devida venia, não é razoável distinguir o “Direito Administrativo Militar” do “Direito Disciplinar Militar”. Primeiro, porque o poder disciplinar é um dos poderes inerentes à Administração Pública e convém que seja estudado de forma harmônica com o ramo do Direito que se propõem estudá-lo, ou seja, o Direito Administrativo Militar.
Segundo, porque se teme que tal separação leve a mitigação de uma série de garantias inerentes ao nosso Estado Democrático de Direito, como a reserva legal, em prol de se justificar atos não compatíveis com normas democráticas e republicanas, com a justificativa de se manter a hierarquia e a disciplina no ambiente castrense.
Seguindo posicionamento de Antônio Pereira Duarte, adota-se uma Teoria Hexapartite, com as devidas alterações, quanto à repartição em sub-ramos de estudo do Direito Militar.
O Direito Militar divide-se para fins meramente didáticos e de aprendizagem em: Direito Constitucional Militar, Direito Penal Militar, Direito Processual Penal Militar, Direito Administrativo Militar, Direito Previdenciário Militar e Direito Internacional Humanitário ou Direito Internacional dos Conflitos Armados.
Embora vozes respeitáveis proclamem mais sub-ramos, como Direito Eleitoral Militar, Direito Civil Militar e Direito Administrativo Disciplinar Militar, ainda não me convenço de sua suficiente autonomia. Vejamos cada um desses seis sub-ramos.
1) Direito Constitucional Militar  - pode ser definido como o conjunto de princípios e normas constitucionais que norteiam toda a função estatal militar. Segundo Eliezer Pereira Martins:

A matéria militar desde sempre esteve inscrita nas Constituições e Cartas políticas promulgadas ou outorgadas em nosso país. A Constituição da República em vigor em nosso país, editada em 1988, analítica que é, prestigiou em seu cerne vários sistemas de direito, alguns inclusive, exaustivamente detalhados, a exemplo do sistema tributário nacional, o sistema de segurança pública, o sistema administrativo, etc. Ora, cada um destes sistemas nos permite dissertar sobre suas peculiaridades, donde falar-mos sobre um direito constitucional tributário, de um direito constitucional administrativo, de um direito constitucional penal e assim por diante. Sendo assim, resulta acertada a solução de tratar-se de um ‘direito constitucional militar’, posto que no bojo da Constituição da República em vigor existe um sistema de normas constitucionais cujo objeto é a disciplina militar em seus aspectos orgânico, funcional, institucional, etc. A superabundância da matéria militar na Constituição em vigor está a indicar a necessidade de sistematização do tema dentro do quadro de princípios de hermenêutica constitucional, daí mais um fator de conveniência do estudo do ‘direito constitucional militar’. Tendo o legislador constituinte versado de forma caudalosa da matéria militar, como já demonstrado, resulta que inscreveu no texto da Constituição princípios constitucionais de índole militar. Ora, ao fugir do quadro mínimo desejável (regular as relações entre governantes e governados, traçar os limites dos poderes do Estado e declarar os direitos e garantias individuais) a Constituição de 1998 impôs à doutrina o estudo das disciplinas jurídica [sic] incidentes sob direitos consagrados na Constituição, qualquer que seja a sua natureza do ponto de vista de classificação doutrinária, daí porque não ser impróprio o estudo do ‘direito constitucional militar’. Abre-se assim um novo enfoque para a exegese e aplicação do direito castrense[5].

2) Direito Penal Militar - é a parcela do Direito Militar que estabelece as ações ou omissões delitivas de natureza militar (próprias, impróprias ou acidentais), cominando-lhes determinadas consequências jurídicas, bem como seus instrumentos de execução.
3) Direito Processual Penal Militar - entende-se pelo conjunto de normas que norteiam a aplicação do Direito Penal Militar pelos órgãos jurisdicionais competentes, bem como a atividade policial judiciária militar.
4) Direito Previdenciário Militar  - tem como sua melhor definição, a ensinada por Antônio Pereira Duarte: “(...) um ramo especial voltado para o estudo das normas, princípios e atos decorrentes da inativação dos militares, abrangendo a reserva, a reforma, as pensões militares e outros benefícios de natureza assistencial-previdenciário[6].”
5) Direito Internacional Humanitário ou Direito Internacional dos Conflitos Armados -  mais uma vez nas palavras de Antônio Pereira Duarte:

Envolve o estudo das normas adotados [sic] pelo Brasil, em matéria de conflitos armados, inclusive aquelas pertinentes ao estatuto penal de Roma, do Tribunal Penal Internacional. Torna-se, pois, um ramo de grande impacto para as esferas militares, visto que apresenta o rol de regras que, atualmente, regulam o direito de guerra, as questões emergidas ao longo de um conflito armado, a conduta que deve presidir as operações bélicas, os direitos e deveres dos militares durante uma conflagração, a proteção dos direitos humanos durante o conflito, dentre outras[7].

6) Direito Administrativo Militar  - é a parcela do Direito Militar que estuda as relações da administração pública militar com seus administrados, ou seja, os servidores públicos militares e terceiros. É a parcela do Direito Militar que aborda a maior parte das normas militares, como por exemplo, a parte remuneratória, carreira e a disciplinar.
Logo, pode-se concluir que, didaticamente, a Teoria Hexapartite é a que melhor proporciona um método de estudo do Direito Militar.


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Daniel Accioly. Advogado. Graduado em Direito pela Universidade Cândido Mendes – RJ. Especialista em Direito Público, em Direito Militar e em Direito Penal, Direito Processual Penal e Criminologia.






[1] ASSIS, Jorge César de. Curso de Direito Disciplinar Militar: Da Simples Transgressão ao Processo Administrativo. 1. ed. Curitiba: Juruá. 2007.  p.17.
[2] MARTINS, Eliezer Pereira. Direito Constitucional Militar. In: Jus Navigandi, Teresina, ano 7, n. 63, mar. 2003. Disponível em: <http://jus2.uol.com.br/doutrina/texto.asp?id=3854>. Acesso em: 26 nov. 2007.
[3] DUARTE, Antônio Pereira. O Direito Militar na Ordem Jurídica Nacional. Palestra proferida em 10 de junho de 2008, na Escola Judicial Desembargador Edésio Fernandes, do TJMG, Núcleo Juiz de Fora.
[4] ASSIS, Jorge César de. Op. cit. p. 67.
[5] MARTINS, Eliezer Pereira. Op. Cit.
[6] DUARTE, Antônio Pereira. Op. Cit.
[7] Idem.

quarta-feira, 8 de maio de 2013

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O EMPREGO DAS FORÇAS ARMADAS NAS ELEIÇÕES: DE QUEM É A COMPETÊNCIA PARA REQUISIÇÃO DE TROPAS FEDERAIS?

Subsiste na doutrina discussão acerca de quem detém competência para requisitar força federal para atuar durante o período eleitoral.
Enquanto o Código Eleitoral, em seu artigo 23, XIV, afirma ser do Tribunal Superior Eleitoral (TSE) a competência para requisitar as tropas federais diretamente ao Chefe do Executivo Federal, a Lei Complementar 97, de 09 de junho de 1999, que dispõe sobre as normas gerais para a organização, o preparo e o emprego das Forças Armadas, em seu artigo 15, §1º exige que o Supremo Tribunal Federal (STF) intermedie a requisição da força federal.
In verbis os citados artigos:


Art. 23, XIV do Código Eleitoral. Compete, ainda, privativamente, ao Tribunal Superior:
[...]
XIV. requisitar força federal necessária ao cumprimento da lei, de suas próprias decisões ou das decisões dos Tribunais Regionais que o solicitarem, e para garantir  a votação e  apuração;

Art. 15, Lei Complementar 97/99. O emprego das Forças Armadas na defesa da pátria e na garantia dos poderes constitucionais, da lei e da ordem, e na participação em operações de paz, é de responsabilidade do Presidente da República, que determinará ao Ministro de Estado da Defesa a ativação de órgãos operacionais, observada a seguinte forma de subordinação.
[...]
§ 1º. Compete ao Presidente da República a decisão do emprego das Forças Armadas, por iniciativa própria ou em atendimento a pedido manifestado por quaisquer dos poderes constitucionais, por intermédio dos Presidentes do Supremo Tribunal Federal, do Senado Federal ou da Câmara dos Deputados.

Diante do conflito de normas supracitado, qual a maneira correta de proceder? Afinal, é ou não necessário que haja a intermediação do Supremo Tribunal Federal (STF) na requisição de forças federais pelo Tribunal Superior Eleitoral (TSE)?
Pois bem.
Assim dispõe o artigo 142, §1º da Constituição Federal de 1988:

Art. 142. As Forças Armadas, constituídas pela Marinha, pelo Exército e pela Aeronáutica, são instituições nacionais permanentes e regulares, organizadas com base na hierarquia e na disciplina, sob a autoridade suprema do Presidente da República, e destinam-se à defesa da Pátria, à garantia dos poderes constitucionais e, por iniciativa de qualquer desses, da lei e da ordem.
§ 1º. Lei complementar estabelecerá as normas gerais a serem adotadas na organização, no preparo e no emprego das Forças Armadas.

Considerando o disposto no supracitado artigo, bem como o que apregoa o princípio hierárquico, numa análise literal, superficial e precipitada, poderíamos concluir tendo por preponderante a determinação do artigo 15, §1º da Lei Complementar 97/99, já que a CF/88, em seu artigo 142, §1º, prevê que lei complementar – como é a Lei Complementar nº. 97, de 09 de junho de 1990 – é quem “estabelecerá as normas gerais a serem adotadas na organização, no preparo e no emprego das Forças Armadas”, não uma lei ordinária como é o Código Eleitoral.
Todavia, concluir acerca da competência para requisição de força federal para emprego nas eleições é tarefa que exige mais que um raciocínio simplista...  É imprescindível que aprofundemo-nos um pouco mais no estudo, sem que desprezemos elementos necessários à solução do impasse jurídico.

A Lei 4.737, de 15 de julho de 1965, a qual instituiu o Código Eleitoral, foi editada sob a égide da Constituição de 1946 (que não fazia previsão de lei complementar como espécie normativa).
O artigo 130 da Constituição de 1967 e o artigo 137 da Emenda Constitucional de 1969, em idêntica redação, dispunham que “a lei estabelecerá a competência dos Juízes e Tribunais Eleitorais”.
Vê-se, portanto, que sob a égide da Constituição de 1967, mesmo após a Emenda Constitucional de 1969, contentava-se que o estabelecimento da competência dos Juízes e Tribunais Eleitorais fosse feita por lei ordinária.
Com o advento da nossa atual Carta Magna, de 05 de outubro de 1988, passou-se a exigir que a fixação de competência dos Tribunais, juízes e juntas eleitorais fosse submetida a um processo normativo mais rígido, por meio da edição de lei complementar, conforme dispõe o artigo 121 da CF/88:

Art. 121. Lei complementar disporá sobre a organização e competência dos Tribunais, dos juízes de direito e das juntas eleitorais.

Neste sentido, embora, de fato, a lei que instituiu o Código Eleitoral (Lei 4.737/65) e, consequentemente, a competência do Tribunal Superior Eleitoral (TSE), seja uma lei ordinária, esta, uma vez tendo sida instituída a nova ordem constitucional, no ano de 1988, foi recepcionada pela Constituição Federal como lei materialmente complementar e formalmente ordinária.
Assim, ante a recepção do Código Eleitoral pela nova ordem constitucional como lei complementar, não há que se falar em ab-rogação deste pela Lei complementar 97/99. Todavia, é inegável a ocorrência de antinomia entre as supracitadas normas (Código Eleitoral e Lei Complementar 97/99), pois que estas trazem comandos que se opõem, urgindo daí a necessidade de que este problema seja resolvido por meio da determinação de qual das normas conflitantes é válida e qual é inválida.
Dois dos quatro critérios existentes para solução de conflito entre normas (o hierárquico, o cronológico, o da especialidade e o da lei mais benéfica), a princípio, podem, no caso em análise, auxiliar-nos na solução do problema, quais sejam: o critério cronológico e o critério da especialidade.
Digo ‘a princípio’ porque embora pelo critério cronológico, defrontando-se normas postas num mesmo plano hierárquico (no caso em estudo, leis complementares), prevaleça a norma posterior (lex posterior derogat priori), pelo critério da especialidade – que é extremamente mais forte que o cronológico, devendo por isso mesmo prevalecer sobre este – de duas normas incompatíveis, uma geral e uma especial (ou excepcionais), prevalece a segunda.
Enquanto a Lei complementar 97/99 disciplina as normas gerais para a organização, o preparo e o emprego das Forças Armadas, incluindo a requisição de tropas federais nos casos de calamidade, epidemias, etc., o Código Eleitoral disciplina, de maneira específica, a requisição das forças federais para emprego nas eleições, a fim de garantir a posse nos cargos eletivos somente dos que foram legitimamente eleitos, o efetivo cumprimento da legislação eleitoral, bem como o livre exercício do direito do voto, da normalidade da votação e da apuração dos resultados (cf. arts. 1º, caput e 2º parágrafo único da Resolução-TSE 21.843, de 22 de junho de 2004).
Logo, pelo critério da especialidade, o qual prevalece sobre o critério cronológico, por o Código Eleitoral (como dito, recepcionado pela CF/88 como lei complementar) ser norma anterior especial, enquanto a Lei Complementar 97/99 é norma posterior geral, a norma que trata acerca da requisição de força federal para emprego nas eleições insculpida naquele diploma legal deve prevalecer em detrimento da estabelecida na Lei Complementar 97/99.
Assim, entendo não restarem dúvidas acerca da subsistência do Código Eleitoral à Lei Complementar 97/99, sendo, portanto, o Tribunal Superior Eleitoral competente para requisitar força federal para emprego nas eleições diretamente ao Presidente da República, sem que prescinda da intermediação do presidente do Supremo Tribunal Federal.
No que pertine às requisições dos tribunais regionais, tem vigência o disposto no art. 30, XII do Código Eleitoral, devendo estes solicitarem ao Tribunal Superior Eleitoral a requisição de força federal para a garantia da normalidade das eleições.
Desta feita, em homenagem ao brocardo lex specialis derogat legi generali priori não se pode negar prevalência de aplicação à norma do Código Eleitoral sobre a norma da Lei Complementar 97/99.


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Mônely Arleu. Advogada. Graduada em Direito pela Faculdade de Ciências Jurídicas de Juiz de Fora/MG - Faculdades Doctum. Especializanda em Direito Militar pela Universidade Cândido Mendes (UCAM).