Embora
inúmeros sejam os instrumentos do ius in
bello, dois conjuntos de leis humanitárias, especificamente, destacam-se
por sua importância no âmbito do Direito
Internacional dos Conflitos Armados, quais sejam: as Convenções de Genebra
de 1949 e os protocolos adicionais de 1977, os quais se coadunam numa série de
tratados que têm por objetivo definir os direitos e deveres dos indivíduos –
combatentes ou não – em tempo de guerra.
A I
Convenção de Genebra de 1949, como visto em postagem anterior (se não leu,
clica aqui), tem por finalidade melhorar as
condições dos feridos, enfermos e pessoal sanitário e religioso
em campanha, enquanto a II Convenção de
Genebra de 1949 protege os feridos, enfermos e náufragos no mar, a III Convenção de Genebra de 1949 dispõe
acerca dos prisioneiros de guerra e, por fim, a IV Convenção de Genebra de
1949 confere proteção especial à população civil vítima de um conflito
internacional.
No que tange aos Protocolos Adicionais,
o I Protocolo Adicional versa sobre
as vítimas de conflitos armados internacionais e o II Protocolo Adicional versa sobre as vitimas de conflitos armados
não internacionais.
As Convenções de Genebra de 1949 e seus
Protocolos Adicionais constituem a essência do Direito Internacional
Humanitário, na medida em que estabelecem as regras que visam, por questões
humanitárias, limitar os efeitos do conflito armado, protegendo não apenas as
pessoas que não participam ou deixaram de participar das hostilidades, mas
também os civis, os profissionais de saúde e de assistência, os soldados
feridos ou doentes, os prisioneiros de guerra e outras pessoas privadas de
liberdade, impondo restrições aos meios e métodos de guerra a que as partes
podem recorrer.
Dando continuidade ao estudo das
Convenções de Genebra de 1949 e seus Protocolos Adicionais, no presente texto
analisaremos a II Convenção de Genebra
de 1949.
Recomendamos ao leitor, antes de
prosseguir na leitura do presente texto, que volte-se para a leitura das
seguintes publicações anteriormente feitas: 1) ‘DIREITO INTERNACIONAL HUMANITÁRIO: Surgimento, Desenvolvimentoe Finalidade do Direito Internacional dos Conflitos Armadas’; 2) ‘I CONVENÇÃO DE GENEBRA DE 1949: AProteção aos Feridos e Enfermos em Campanha’
A
II CONVENÇÃO DE GENEBRA DE 1949
Substituindo a X Convenção de Haia de
1907, a II Convenção de Genebra de 1949 trata acerca da proteção das vítimas da
guerra marítima.
Note-se que a II Convenção de Genebra dá tratamento à proteção das vítimas de uma
modalidade específica de batalha, qual seja, a Guerra Marítima.
Mas, afinal, o que é considerado Guerra
Marítima?
Segundo SALMON, denomina-se Guerra Marítima “o conjunto de
operações militares ou de atos de hostilidade efetivados por, entre ou contra
as forças navais de um beligerante [...]”.[1]
Dada sua especificidade, as disposições
constantes da II Convenção de Genebra de
1949 não se aplicam em qualquer situação ou localidade, mas somente em zona
específica: no mar.
Por isso, havendo conflito entre forças
em terra e no mar, somente às forças embarcadas aplicar-se-á as disposições da II Convenção de Genebra de 1949,
sendo que, uma vez que as tropas desembarquem, ficarão sujeitas às normas que
regulamentam a guerra em campanha (no caso de enfermos e feridos, a I Convenção
de Genebra de 1949).
Entre as disposições constantes da II
Convenção de Genebra de 1949, algumas merecem especial atenção.
É o caso, p. exemplo, do direito que
possui qualquer navio de guerra de uma parte beligerante de reclamar a entrega
de feridos, enfermos ou náufragos que estejam a bordo de navios-hospitais
(particulares ou militares), navios mercantes, iates ou qualquer outra
embarcação.
Esse direito só encontra limitação no
caso de o estado de saúde do ferido, enfermo ou náufrago não permitir que
ocorra a transferência, sendo obrigatório, nesse caso, que o navio, iate ou
embarcação ou este se encontre disponha de instalações capazes de assegurar-lhe
tratamento adequado (Cf. art. 14 da II Convenção).
Em relação aos Estados Neutros – assim considerados aqueles que não tomam nenhum
lado em uma guerra entre outras partes – ocorrendo de seus navios de guerra
recolher enfermos, feridos ou náufragos, ou de indivíduos desembarcarem em um
de seus portos, tais países devem providenciar para que estes não voltem a participar
das operações de guerra, retendo os desembarcados e promovendo a
hospitalização/internamento dos que necessitarem, ficando as despesas a cargo
da Potência das quais dependam as vítimas hospitalizadas/internadas (Cf.
artigos 15 e 17 da II Convenção).
A II Convenção de Genebra de 1949,
ainda, confere especial proteção aos navios-hospitais
– construídos única e especialmente para socorrer, tratar e transportar
feridos, enfermos e náufragos –, bem como aqueles utilizados pelas Sociedades
Nacionais da Cruz Vermelha ou outra sociedade de socorro oficialmente
reconhecida (seja de uma parte em conflito ou de um país neutro), e ainda as
embarcações costeiras e instalações costeiras fixas utilizadas exclusivamente
por essas em suas missões humanitárias, sendo indispensável, porém, que seus
respectivos nomes e características tenham sido comunicados aos beligerantes
dez dias antes de sua utilização (Cf. artigos 22, 24, 25, 27 e 29 da II
Convenção).
Não obstante os navios-hospitais possuam liberdade para realizar suas atividades,
gozando de proteção, não podendo em circunstância alguma serem atacados ou
capturados, estas jamais poderão dificultar os movimentos dos combatentes (Cf.
artigo 22 e 30 da II Convenção).
Além disso, os navios-hospitais podem ser fiscalizados e vistoriados.
É possível, ainda, se a gravidade das
circunstâncias assim o exigir, que as partes em conflito recusem o auxílio
destas embarcações, bem como ordenem que estas se afastem, imponha-lhes rota
determinada, regulamentem o uso de seus meios de comunicação e, inclusive, as
retenhas por período máximo de sete dias a partir do momento da visita de
inspeção (Cf. artigo 31 da II Convenção).
Vale lembrar que, não obstante gozem de
proteção, os navios e embarcações de socorro atuam por sua conta e risco, sendo
que, em caso de serem utilizados para cometer, fora de seus objetivos
humanitários, “atos nocivos ao inimigo”, tais embarcações perdem a proteção.
Embora inúmeras sejam as interpretações
tendentes a conceituar a nocividade dos atos que podem ser praticados pelos
navios e embarcações de socorro, a própria Convenção tenta resolver o problema,
elencando atos que não privarão os
navios de proteção, quais sejam:
Artigo 35. Não serão
considerados como sendo de natureza a privar os navios-hospitais ou as
enfermarias dos navios da proteção que lhes é devida:
1)
O fato de o pessoal desses navios ou enfermarias estar armado ou empregar as
suas armas para a manutenção da ordem, para a sua própria defesa ou para a dos
seus feridos e doentes;
2)
O fato de existirem a bordo aparelhos destinados exclusivamente a assegurar a
navegação ou as comunicações;
3)
O fato de a bordo dos navios-hospitais ou nas enfermarias de navios se
encontrarem armas portáteis e munições retiradas aos feridos, aos doentes e aos
náufragos e que tenham sido ainda entregues ao serviço competente;
4)
O fato de a atividade humanitária dos navios-hospitais e enfermarias de navios
ou do seu pessoal se ter tornado extensiva a civis feridos, doentes ou
náufragos;
5)
O fato de navios-hospitais transportarem material e pessoal, exclusivamente destinado
ao serviço de saúde, além daquele de que habitualmente necessitam.
A II
Convenção de Genebra de 1949 determina que as embarcações de socorre, a fim
de que sejam identificadas tanto do ar quanto do mar, sejam pintadas de branco
com uma ou mais cruzes vermelhas “tão grandes quanto possível” nas laterais dos
cascos e nas superfícies horizontais.
Todavia, tendo em vista a elevada
altitude de voô das aeronaves modernas e a consequente dificuldade em se
distinguir, do ar, um navio de guerra de um navio hospital, essa identificação
visual proposta pela II Convenção de Genebra de 1949 não é mais suficiente. Por
isso, visando a solução do problema, o artigo 43 da II Convenção determina que
as partes concluam acordos visando a utilização de meios mais modernos para a
identificação.
Finalmente, insta-nos salientar que, tal
qual a I Convenção de Genebra de 1949, também a II Convenção de Genebra de
1949, possibilita que a autoridade militar apele à população civil (comandantes
de navios mercantes neutros, iates ou outras embarcações igualmente neutras)
para ajudar os feridos e enfermos em campanha, recebendo-os a bordo e
dando-lhes assistência.
Os que atendem o apelo aos sentimentos
caritativos feito pela autoridade militar, recebendo e prestando assistência às
vítimas do conflito naval, gozam de uma
proteção especial e facilidades para realização de sua missão assistencial, não
podendo ser, pelo fato de prestarem tal assistência, realizando tal transporte,
ser capturados (Cf. artigo 21 da II Convenção).
______________________
Mônely Arleu.
Advogada. Graduada em Direito pela Faculdade de Ciências Jurídicas de Juiz de
Fora/MG - Faculdades Doctum. Especializanda em Direito
Militar pela Universidade Cândido Mendes (UCAM).
Deborah Mota. Graduanda em Direito pela Fundação Presidente Antônio
Carlos (FUPAC). Estudiosa e Pesquisadora do Direito Internacional Humanitário
(DIH) e do Direito Penal Internacional (DPI).
[1] SALMON, J. (Ed.). Dictionaire de droit international public. Bruxelles:
Bruylant, 2001, p. 541 apud BORGES,
Leonardo Estrela. Coleção para entender:
O Direito Internacional Humanitário. Belo Horizonte: Del Rey, 2006. p. 82.